Ritmo cardíaco de um coraçãozinho Fiel

Um pequeno torcedor de cinco anos descobre, junto à família, a emoção de apoiar o Corinthians no estádio.

Marcus Almeida Machado

10/3/20254 min read

Santa Isabel amanheceu nublada. A garoa adormecia as ruas e deixava a cidade ainda mais pacata. O dia não prometia nada extraordinário, até que a professora chamou o pequeno Gui à porta da sala de aula. Algo parecia se mover fora do previsto.

Neto, seu pai, o esperava no corredor.

— Filho, guarda suas coisas. Hoje você vai mais cedo pra casa.

Guilherme pegou caderno, lápis e borracha e guardou tudo na mochila azul do Hot Wheels. Seguiu até o portão, atento a cada gesto do pai, esperando que ele revelasse o motivo de tirá-lo da aula da professora Maila.

Na calçada, ao lado do carro, Jana o esperava com um sorriso no rosto e os braços abertos. Gui soltou a mão do pai e correu para abraçá-la.

— Mãe, pra onde a gente vai? Quero sorvete!

— Não, está frio. Hoje vamos passear em outro lugar.

Os três entraram no carro, se entreolharam sorrindo e partiram rumo à Dutra. Guilherme perguntava sem parar se iam para algum shopping. Já sonhava com os brinquedos do Center Norte.

No rádio, a jornalista anunciava uma notícia interessante: “Um australiano completou 100 dias utilizando um coração artificial de titânio enquanto esperava por um transplante. Foi a primeira vez que alguém viveu com um dispositivo desse por tanto tempo”.

— Será que hoje nosso coração vai bater forte? — perguntou o pai.

— Acho que já está acelerado, não é, Gui? — afirmou Jana.

Gui não respondeu. Com o trânsito lento, dormiu sem que ninguém percebesse.

Perto da saída para o centro de Guarulhos, um acidente bloqueou a pista da rodovia. Um caminhão carregado de batatas se chocou com um ônibus que rumava à estação Armênia. Jana apertou a mão de Neto por um instante. Gui, ainda sonolento, não percebia o trânsito parado. Sorte de quem trafegava pela pista expressa: mesmo devagar, a família não enfrentou congestionamento pesado.

O carro já se aproximava da Radial Leste, e Jana pegou uma camisa do Corinthians. Neto desligou o rádio e, com carinho, direcionou suas palavras ao pequeno dorminhoco.

— Gui, acorda, meu amor! Hoje você vai assistir ao jogo do Corinthians bem de perto! — disse Neto.


— E aí? Você quer conhecer o estádio? — complementou Jana.


— O que? E o parquinho? Vocês estão me enganando? É claro que eu quero! — gritou Guilherme, ainda sonolento.

A diversão com a piscina de bolinhas e o pula-pula ficaria para outro dia. Dessa vez, a emoção viria com o time do Parque São Jorge. Os gritos seriam na arquibancada e não no escorregador. Os pulos no pula-pula podiam esperar, pois era hora de pular ao som de “Aqui tem um bando de loucos, loucos por ti, Corinthians".

Ao chegarem em Itaquera, a movimentação fora do estádio já era grande. Antes de sair do carro, vestiram as camisas alvinegras e partiram rumo à entrada.

Pai e filho andavam de mãos dadas e corações unidos. Nada mais importava; uma memória eterna começava a ser criada enquanto subiam as escadas que davam acesso ao setor Oeste da Neo Química Arena.

— Essa escada rolante parece a do shopping! — comparou Gui, que ainda sonhava com o Center Norte.

Quando o gramado apareceu diante de seus olhinhos, Guilherme ficou encantado. O placar mostrava: Copa Libertadores da América — Corinthians X Barcelona SC. Ele olhava tudo com muita atenção, fascinado com a torcida, as luzes, o gramado e os jogadores. Ele queria ver o Memphis e o Garro.

— Mãe, por que estamos longe do campo? Vamos lá embaixo, mais perto!


— Não pode. Foi muito difícil conseguir os ingressos, Gui. Então esse foi o lugar que deu para comprar.

Ele, como um bom torcedor, queria vibrar bem perto dos jogadores, porém essa emoção ficaria para um próximo jogo, quando houvessem ingressos disponíveis em setores mais próximos do campo.

O árbitro uruguaio Esteban Ostojich apitou o início da partida. A batalha começou quente. Os dois lados queriam a vitória, e os jogadores alvinegros, determinados a reverter o placar negativo do primeiro jogo, jogavam com a alma e o coração — como canta a torcida em cada jogo.

No primeiro tempo, Félix Torres abriu o placar de cabeça, após escanteio cobrado por Garro. A vitória corintiana começava a se desenhar.

Nos ombros do pai, Gui vibrava a cada passe, com os olhinhos arregalados, completamente absorvido pela atmosfera do estádio e pelo barulho ensurdecedor da fiel. Um pouco assustado, ele olhava para o lado e via sua mãe e seu pai, e isso bastava para se sentir seguro, enquanto tudo ao redor parecia gigante.

Durante o intervalo, a adrenalina ainda pulsava em suas veias. Neto levou Gui até o banheiro e, na volta, pararam na lanchonete para comprar refrigerante e um copo personalizado do jogo. Jana preferiu ficar na arquibancada, tirando fotos enquanto aguardava o reinício da partida.

Na segunda etapa, André Carrillo ampliou o placar, também de cabeça, após uma confusão na área equatoriana. O estádio “veio abaixo”. Neto o levantou nos braços, e, com os bracinhos erguidos, o menino comemorou o segundo gol como se fosse dele próprio.

Não dava mais tempo. O árbitro apitou o fim de jogo: Corinthians 2 a 0. Guilherme, já cansado, provou ser pé quente. Neto o colocou nos ombros, e juntos seguiram em direção à saída. Cercados pela multidão de loucos, os olhinhos de sono do menino continuavam brilhando.

A volta prometia ser rápida. O Waze indicava a Dutra livre, e, antes mesmo de chegarem à rodovia, Gui já dormia, embalado pelo cansaço e pela emoção.

Os pais, ainda tomados pela alegria, não encontravam palavras. Nem imaginavam que, naquele instante em que a bateria da torcida do Corinthians se uniu aos batimentos cardíacos do filho de cinco anos, havia nascido ali, dentro daquele pequeno coraçãozinho alvinegro, um novo ritmo de vibrar e enxergar a vida.